Minha mãe estava na cozinha. Lembro-me que ainda estava claro. Tinha muita luz vindo da janela. Ela devia estar preparando o almoço. E enquanto ela rodava de um lado para o outro – mexendo no armário, indo até a pia, pegando algo na dispensa – eu a observava. Olhos atentos esperando o melhor momento para a pergunta que não parava de ecoar dentro de mim.
Ela, que não gosta de ninguém parado na cozinha enquanto está no comando do fugão, olha para mim e pergunta “O que você quer?”. Era minha deixa. Mas o que eu diria? Como iria introduzir tamanha dúvida? Não era como as dúvidas anteriores, como quando eu liguei para saber como faz café. “Mãe, coloco sal na água do macarrão antes ou depois da fervura?”; “Mãe, por que a biza fala alto?”; “Por que na Páscoa todo mundo come várias coisas gostosas e eu, por não gostar de bacalhau, fico só com arroz, ovinho e batatinhas?”; “Por que não posso dormir aqui?” (na casa da minha prima).
– Mãe, Robson é meu pai?
Silêncio…
Cara de espanto…
Desespero…
Decidi naquele instante que não havia meios de ser sutil. Eu teria que vomitar de uma vez. Imediatamente ela largou o que fazia e me respondeu com outra pergunta.
– De onde você tirou isso?
Então eu expliquei sobre minhas dúvidas, falei novamente sobre a Certidão de Nascimento e indaguei-a sobre minha vaga lembrança de um dia ter perguntado a ela se aquele homem já teria ido embora. Ela me ouviu atenta e desconsertada. Haveria tempo hábil para uma desculpa definitiva? Encontraria uma história que bastasse àquela menina franzina parada a sua frente?
Por alguns instantes, sim. Com voz apressada reafirmou que no dia do registro meu pai teve algum problema e, assim, meus avós paternos junto com o próprio não puderam ir. Enquanto isso eu pensava no que poderia ser mais importante que aquele momento de registrar uma filha. “Deve ser por isso que ele não me ama.”, pensei, mas com cuidado de segurar as palavras atrás dos dentes. E sobre a lembrança de infância, ela fez que não lembrou. Voltei para o quarto. Pouco tempo depois ela me chama na cozinha. Estava com ar aflito na voz. Não me olhava nos olhos. Procurava as palavras enquanto eu só esperava ouvir a verdadeira história. Aquela que todos já sabiam, menos eu.
CONTINUA…