A iminência do corte

Aos 11 anos foi decidido que eu já estava pronta para cuidar de mim. Voltei definitivamente para a casa da minha mãe. Não tive moleza como esperava. Quando retornava da escola tinha minhas obrigações. Com minha mãe e meu pai trabalhando fora, eu tinha que me virar. Esquentar almoço, arrumar casa, lavar minha roupa. Mas isso nunca me impediu de brincar na rua. Comer carambola da árvore, andar de bicicleta e patins. Não posso reclamar: fui uma criança feliz.

E foi nesse período da vida que comecei a perceber a indiferença do meu pai por mim. Não havia explicação. Nenhum outro pai era chamado e fingia que não ouvia. Ou chegava do trabalho e não cumprimentava ao menos com um boa noite. Sem dúvidas havia algo errado, pois aquele homem tão frio não poderia ser meu pai.

Mas acontece que meu cérebro ocultou essa informação de mim e eu somente tinha fragmentos em minha mente, porém nada que pudesse explicar aquele comportamento desritmado. Através desses flashes puxei um fio de memória que logo me traria algo cortante.

Decidi buscar algo que provasse que minhas desconfianças eram somente uma desculpa para suportar tamanho desprezo de um pai por uma filha. E nessa busca encontrei uma Certidão de Nascimento. Eu que já estava com uma semente de desconfiança plantada na mente, agora teria razões concretas para ir até o fim.

Ao encontrar o documento que deveria estar preenchido com minhas informações maternas e paternas, encontro algumas lacunas. Estas estavam justamente nas informações paternas. Isso era estranho.

Permaneci ali sentada no chão olhando para aquele documento. Lendo e relendo na esperança de encontrar alguma justificativa para a ausência das letras naquelas lacunas. Não havia. Pelo menos na Certidão. Eu teria que perguntar. Teria que respirar fundo, olhar para minha mãe e perguntar se tudo o que acreditei até aquele momento era mentira.

Tudo deveria ser feito sem agressão, sem ansiedade na voz, sem lágrimas no rosto. Afinal, provavelmente aquilo somente era um questionamento tolo que passava em minha cabeça. Pelo menos era o que eu desejava que fosse.

Continua…